In March 2023, I participated in the 12th edition of the Tiradentes Photography Festival representing the Mofo Collective. The panel titled “Analog Photography Today” featured the participation of the Deriva Collective and Grão Collective. On this occasion, I had the opportunity to share my experience and perception of the creative processes related to the world of analog photography.

 

The opportunity also allowed me to reflect on the power of art collectives in Brazil, which continue to contribute to pushing the limits imposed by academia, reversing traditional and conservative notions of the artist as a “genius” and the image of the artist working alone as an enlightened being illuminated by the divine light of imagination.

Event photos: Thais Andressa

Below, I share the presentation displayed at the festival:

In 2021, I was a collaborator on the international project Tales of Care and Repair, conducting research and interviews with self-taught professionals engaged in object repair and restoration. The project was supported by various institutions, including the University of the West of England.

Tales of Care and Repair (@repairacts) brings together stories of everyday object repair from India, the United Kingdom, and Brazil.

Considering repair as a potentially radical act that can transform our relationship with our material worlds, the program aims to build a repository of ‘stories’ of repaired everyday objects. It also gathers artists, designers, policymakers, and academics to conduct specialized workshops and seminars and create Repair Declarations for citizens to embrace local repair mindsets in cities, towns, and neighborhoods.

Access at: https://tales.repairacts.net/tales

Em Janeiro de 2020 eu fui convidado pelo BDMG Cultural e Coletivo Micrópolis a produzir um texto crítico sobre o primeiro ciclo de atividades do educativo do BDMG. A pergunta que orientou o ciclo foi “Como as imagens podem contribuir para produzir vizinhanças“. Minha estratégia foi compartilhar algumas inquietações que pudessem contribuir para pensarmos todas as distâncias que constituem o que estamos vivendo agora em termos de vida na cidade e pandemia. O BDMG optou por não publicar o texto encomendado, e eu tomo a liberdade de compartilhar a reflexão aqui no meu site.

Ação educativa como gesto de aproximação

Em proposta apresentada ao BDMG Cultural pelo Coletivo Micrópolis, surge a iniciativa de um encontro à ideia de vizinhança, em que o gesto educativo aparece como movimento de aproximação e escuta, pesquisa e produção, colocada em prática em um ciclo de ações diversificadas. Fui convidado a acompanhar todo esse processo, desde a sua concepção até a execução, e apresentar, ao final, uma reflexão crítica sobre a ideia de vizinhança e a construção de imagens a partir dela. No meio disso tudo, eu e muitos de nós entramos em quarentena em função da pandemia de Covid-19. A quarentena, que equivocadamente tem sido tratada como isolamento ou distanciamento “social”, traz outras camadas para esta reflexão e para a ideia do que chamamos e/ou conhecemos como vizinhança. 

Nosso isolamento não é social, cabe aqui repetir. É físico, de contato. Nele, não vivenciamos restrições de comunicação, mas seguimos hiperconectados, trocando mensagens com imagens e textos. Vejo dados apontando um aumento de quase 50% no acesso a sites de notícias no mundo todo. Além disso, incluímos em nossa rotina o uso frequente de ferramentas de videoconferência. A vida nas redes sociais, que já era extremamente dependente de imagens, aumentou e ganhou mais complexidade. Fora das telas, a vida urbana também sofre uma transformação radical: para uma parte da população permanecer em casa, saindo somente para acessar serviços essenciais, outra se mantém trabalhando e em constante exposição ao risco de contaminação. 

As distâncias tradicionais, medidas por metros e quilômetros, estão ainda mais diluídas. Ideias como a de localização, acesso, endereço, território e cidade já vinham passando por um momento de ressignificação. Os marcos anteriores, como o surgimento das ferrovias, dos automóveis e da malha rodoviária, mais recentemente com a internet, têm agora, um novo e importante balizador: a pandemia. Uma questão de saúde global, que nos obriga a repensar o sentido da vizinhança a partir do distanciamento. 

A partir da vizinhança enquanto conceito – e seu significado na dimensão da cidade –, eu gostaria de compartilhar algumas inquietações, que talvez sirvam de contribuição para pensarmos todas as distâncias que constituem o que estamos vivendo agora. Enquanto o  programa educativo do BDMG Cultural nos coloca a questão “Como as imagens podem contribuir para produzir vizinhanças?”, a proximidade entre as pessoas que, em tempos de pandemia, nunca esteve tão ameaçada e valorizada, traz uma nova pergunta

Como as vizinhanças produzem imagens? 

Para pensarmos mais profundamente sobre vizinhança, em relação com as imagens, talvez seja importante voltar um pouco na história da nossa cidade. A mudança da capital mineira para Belo Horizonte, no final do século XIX, não promoveu apenas uma nova relação de proximidade entre as pessoas, mas impôs um novo conjunto de imagens e significados, atrelados às expectativas de que, a partir de uma nova condição urbana de vida, um novo cidadão, moderno e cosmopolita, se constituiria. 

Naquele momento, emergiram críticas ao excesso de exposição que o traçado da cidade proporcionava aos habitantes. As pessoas chegavam a se incomodar por serem vistas de esquina a esquina nas ruas e avenidas extremamente retas e largas (fig. 1). Essa condição nova e perturbadora indicava que a proximidade entre as coisas e as pessoas estava por se reinventar, o que me lembra Carlos Drummond de Andrade, em 1968, quando criou com sua poesia uma imagem do que seria essa relação entre sujeitos e espaço urbano: 

Por que ruas tão largas?

Por que ruas tão retas?

Meu passo torto

foi regulado pelos becos tortos

de onde venho.

Não sei andar na vastidão simétrica

implacável.

Cidade grande é isso?

Cidades são passagens sinuosas

de esconde- esconde

em que as casas aparecem-desaparecem

quando bem entendem

e todo mundo acha normal.

Aqui tudo é exposto

evidente

cintilante. Aqui

obrigam-me a nascer de novo, desarmado.Carlos Drummond de Andrade, “Boitempo”, 1968.

O escritor Daniel Carvalho chamou Belo Horizonte de  “capital dos burocratas descontentes”, em 1905. Ele acompanhava uma transformação comum a outras cidades brasileiras, que viviam um conflito entre sua vocação “careta”, e a experimentação, criação e conflitos que consolidavam a riqueza da vida urbana. No caso de Belo Horizonte, a cidade da “vastidão simétrica implacável”, como Drummond definiu em sua poesia, também permitiu que houvesse vida nos espaços públicos. Mesmo com o planejamento rigoroso do espaço e da vida em sociedade, as distâncias entre as coisas e as pessoas continuaram sendo constantemente ressiginificadas. As imagens de proximidade e intimidade que nos tocam, têm sido construídas pelas artes, pela fotografia, literatura, pintura, música ou teatro. A nova cidade, com oferta de cinemas e jardins, para os cronistas, era a mesma cidade fria e sem identidade para os que ficaram em Ouro Preto e se opuseram à mudança. A capital Mineira permaneceria, por muito tempo, como o anúncio do novo, mas também da persistência do estranhamento. 

As vivências na nova capital, ao longo das décadas, também permitiram a criação de afetos e de novas relações a partir da experiência do trânsito por essas ruas largas. E é exatamente a partir da coleta de fragmentos dessa cidade, que o fotógrafo Felipe Chimicatti constrói o seu trabalho. Trabalho esse que norteou parte das atividades do primeiro ciclo, realizado entre fevereiro e abril de 2020. 

A partir das reflexões e conexões criadas com as imagens da exposição “Avenida Amazonas”, o ciclo teve sequência com a realização de uma oficina baseada no trabalho do artista. Também foram gravados podcasts com outros três artistas e produtores locais, que trouxeram uma nova perspectiva, a partir de seus trabalhos, para uma reflexão sobre a contribuição das imagens na produção de vizinhanças. 

Na exposição de Felipe Chimicatti, o gesto inicial foi a partilha da arqueologia em uma das avenidas mais importantes da cidade, o que nos permitiu pensar no caminhar e no campo de visão de um caminhante anônimo.São registros fotográficos de um percurso comum, ordenados dentro de um lugar de percepção da complexidade do mundo, que são as galerias de arte e espaços culturais. A exposição é um gesto de aproximação, que nos permite estabelecer uma relação com o que é semelhante, a partir das nossas próprias memórias, organizadas por relações afetivas. Uma vizinhança formada por imagens.

Essa arqueologia da Avenida Amazonas, que inspirou a oficina realizada pelo Coletivo Mofo, nos permitiu coletar e reordenar as imagens que nos cercam, recombinando-as em narrativas. Quem vive a experiência do centro sabe que, às vezes, o que vemos é tão duro e concreto que parece que o espaço permite esse tipo de abstração. Nesse caso, a proposta do coletivo foi fazer um percurso relacionado com a percepção do espaço e as relações subjetivas nele constituídas. 

O que você vê quando passa pelos mesmos lugares? Quais memórias você recupera a partir da experiência cotidiana? A sugestão do coletivo Mofo foi que cada participante reordenasse o espaço como um construtor, redesenhando a cidade como um arquiteto, refazendo as distâncias entre o que é visto e o que é apreendido. O exercício de escavar imagens da rua Aarão Reis, coletá-las e organizar em uma publicação repetiu um pouco de tudo que já fazemos no dia a dia da relação com a cidade. Fotografias de celular, percursos, pausas, observação. A elaboração de fanzines foi, sem dúvidas, a materialização disso tudo. 

Essa reflexão me transporta para o trabalho do geógrafo humanista Yi-Fu Tuan, que em 1974 publicou o livro “Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente”, enquanto o mundo se atentava para as possibilidades do entendimento da organização da vida nos espaços. Topofilia, que remete aos sentimentos de apego das pessoas ao ambiente natural ou construído, é fundamental no processo de entendimento das distâncias onde vivemos, entre nós e os outros.

Entre anos 1980 e 1990, a globalização exercia uma pressão grande na maneira como as sociedades se organizavam. Dos artistas, exigia-se um entendimento mais apurado de identidade e nacionalidade e, consequentemente, do espaço e/ou vizinhança. A partir dos anos 2000, a cultura do consumo e da desvalorização das relações parecia a única aceita pelas instituições tradicionais. Terras, fronteiras, migração, deslocamento e pertencimento, tornaram-se temas recorrentes em trabalhos artísticos, tensionando a naturalização da imagem do sujeito do século XX como o indivíduo globalizado. 

As relações de família, as práticas sociais, as memórias associadas a territórios periféricos, reforçam que a escala da vizinhança também pode ser compreendida como uma estratégia de resistência cultural no século XXI. Em meio a consolidação dos espaços virtuais que reconfiguram as imagens de vizinhança, a arte nos permite recuperar uma potência crítica que possibilita ao sujeito globalizado reencontrar sua própria identidade a partir da aproximação, do reconhecimento, da memória. Permite também enfrentar os desafios do viver junto, de permitir olhar para territórios e formas de vida em comunidades dadas como inexistentes ou deliberadamente ignoradas.

A série de entrevistas que acompanha o ciclo de atividades nos dá melhores respostas ao desafio contemporâneo de lidar com as crises que o capitalismo nos reserva, retomando elementos de identidades e narrativas que resistem ao tempo, no espaço. A conversa com a artista Aline Motta sobre sua pesquisa revela como nossas histórias são fundamentais para pensar criticamente a organização das imagens que herdamos, e qual seria a reordenação possível. 

A busca pela história de sua avó e o encontro com a líder comunitária Cláudia Mamede provam que não há distâncias intransponíveis entre nossa memória e nossa história. Da mesma maneira, o projeto Retratistas do Morro e a produtora Filmes de Plástico evidenciam que as relações de identidade podem ser traduzidas em imagens, e que imagens e memória também constituem vizinhança. A cena inicial de “No Coração do mundo”, gravado no bairro Jardim Laguna, na periferia de Contagem, traz uma imagem que pouco faz sentido sem a ideia de vizinhança, sem a possibilidade de imaginar sua dimensão comunitária. A Pracinha do Laguna não é só uma paisagem estática da cidade, é um elemento que aparece diferente a cada experiência recuperada. 

Nesse processo de apreensão e reordenação do espaço, o gesto educativo baseado na liberdade e no fazer junto promove novas possibilidades de aproximação entre projetos e espaços culturais, indivíduos e comunidades. As imagens constituem as experiências na cidade que nos aproximam, mesmo em tempo de pandemia. As imagens nos conectam com nossas memórias e nos transportam para temporalidades diferentes. Quando criadas fora dos circuitos elitizados, recuperam o sentido da existência de muitos de nós. Entendo que as imagens criam, sim, vizinhanças. E a ação educativa como gesto de aproximação também permite que as vizinhanças criem imagens, representem a própria noção de comunidade baseada no pertencimento, na identidade, no bem comum.